A disciplina das capacidades no Código Civil foi bastante alterada pelo art. 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/15 que passou a prever como absolutamente incapazes, em seu art. 3º, apenas os menores de 16 (dezesseis anos).
Além disso, o art. 4º do CC passou a disciplinar que deverão ser considerados relativamente incapazes os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, e os pródigos, ou seja, com a modificação legal promovida, buscou-se esclarecer que a deficiência física, mental ou intelectual não gera, a priori, incapacidade absoluta ou relativa.
A previsão dos artigos 3º e 4º do Código Civil, alterados pelo art. 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, é complementada pelo disposto no art. 6º do último diploma, que tem a seguinte redação:
Art. 6º. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Pela leitura do dispositivo acima, percebe-se que a incapacidade decorrente da ausência de discernimento preserva a autonomia privada no campo existencial e patrimonial.
Diante disso, cabe ao julgador, quando posto ao seu crivo, realizar uma interpretação teleológica e sistematicamente, a fim de que alcancem seu verdadeiro intento e se compatibilizem com as demais normas do ordenamento jurídico.
É louvável que as alterações advindas com o Estatuto da Pessoa com Deficiência buscaram conferir maior autonomia às pessoas com deficiência, retirando-lhe possíveis estigmas decorrentes do processo de interdição.
Todavia, uma interpretação meramente literal de suas regras pode retirar a proteção que o ordenamento quis conferir às pessoas que, por razões diversas, não apresentam total discernimento para a prática dos atos da vida civil.
Sendo assim, a previsão do art. 6º do Estatuto, no sentido de que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para a prática dos atos ali arrolados, de ordem eminentemente existencial, deve ser interpretada no sentido de que a pessoa com deficiência pode praticar os atos da civil, especialmente aqueles ligados aos direitos da personalidade.
No entanto, caso a capacidade de entendimento e autodeterminação da pessoa com deficiência for reduzida em maior ou menor grau, afigura-se perfeitamente possível a recomendável a instituição de curatela ou do procedimento de tomada de decisão apoiada para a consecução de determinados atos, especialmente aqueles de ordem patrimonial.
O art. 84, § 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência que estabelece que, quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei, ao passo que o § 2º faculta à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.
O processo de tomada de decisão apoiada, por sua vez, seria aplicável às pessoas com deficiência que, embora capazes, necessitem de auxílio de outrem para decidir sobre determinadas questões, o que não é o caso dos autos.
Sendo assim, através de uma interpretação sistemática e teleológica dos diplomas legais impõe a conclusão de que as pessoas que não consigam exprimir sua vontade por causa transitória ou permanente (doença mental), devem ser consideradas relativamente incapazes.
Todavia, dependendo do grau de comprometimento das faculdades mentais da pessoa, poderá ela submeter-se à curatela total ou parcial.
Isso porque, a depender da conclusão pericial sob o crivo do contraditório, o interditando pode não ser capaz de executar ações da vida diária sozinho, tais como tomar banho ou usar vaso sanitário, locomover-se com transporte público, atravessar a rua, sendo então totalmente incapaz de exercer os atos da vida civil, necessitando de curador para representá-lo em todos os atos da vida civil, tanto patrimoniais quanto existenciais.
Respectivo jugado foi proferido a Apelação Cível, processo n.º 5499984.89.2018.8.09.0051, 5ª Câmara Cível da Comarca de Goiânia.
A conclusão extraída do julgado é que a pessoa com deficiência pode e deve ser submetida à Curatela quando for incapaz de praticar os atos da vida civil, sendo este procedimento fundamental para preservar os seus diretos básicos à saúde, tratamento digno, acessibilidade e segurança na tomada de decisões.